Chico Xavier

Chico XavierFRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
Pedro Leopoldo, MG – 02 DE ABRIL DE 1910
Uberaba, MG – 30 DE JUNHO DE 2002

Francisco Cândido Xavier, Chico Xavier ou simplesmente Chico.
Assim inicio o escorço biográfico de uma das mais cativantes personalidades do século passado e que nos deixou logo no início deste século XXI.

Chico atravessou a extensa caminhada de sua existência, ao longo de toda uma centúria, distribuindo amor e exemplos de caridade, renúncia, trabalho e dedicação plena ao semelhante. Seguiu em toda a plenitude de seu significado o mandamento maior que Jesus nos legou.

Não é fácil falar de criaturas simples, porque a simplicidade encerra em si mesma a grandeza d’alma, a humildade e, de modo muito particular, no caso específico de Chico Xavier, uma vastíssima e milenar cultura interior, resultado, penso eu, de longa caminhada através dos milênios aqui na Terra, e por que não dizer, de anteriores vivências em algum lugar do firmamento distante.

Não fora por suas virtudes, que muito resumidamente menciono acima, como explicarem-se as manifestações de carinho e afeição de parte da comunidade brasileira — de todas as religiões — a alguém que desde criança manifestou intensa ligação com os chamados fenômenos mediúnicos, com visões, vozes, escritos de evidente inspiração espiritual, sedimentando essas faculdades em sua adolescência e maturidade, de tal forma a ser unanimemente considerado o maior médium de nossos tempos?

Por que Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais de todo o país lhe dedicaram cidadanias honorárias, a não ser pela sua laboriosa atuação no terreno do bem e do amor ao próximo?

O próprio estado natal, com suas igrejas tradicionais a enfeitarem as cidades mineiras, divulgando na respeitável ótica do catolicismo os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, honrou-o com a condição de Mineiro do Século, na virada do milênio, quando sabemos quão grande é o número de mineiros expressivos e conceituados, no solo das Alterosas, como Santos Dumont e Carlos Drummond de Andrade.

Chico Xavier, de formação católica, tornou-se o ponto de referência do espiritismo — codificado no século XIX, na França, por Allan Kardec — não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. E destacou sempre, com absoluta coerência e respeito pela religião de berço, a importância de todas as religiões, que profligam em essência o materialismo, que não consola, e mostram que a Misericórdia Divina nos acompanha.

Aos cinco anos perdeu sua mãe, Maria de João de Deus, cujo falecimento deixou o pai, João Cândido Xavier, humilde operário em Pedro Leopoldo, Minas, viúvo com nove filhos, sendo Chico o caçula.

O pai distribuiu transitoriamente os filhos, reunindo-os novamente, anos mais tarde, após casamento em segundas núpcias, com Cidália Batista, criatura boníssima, mas que logo deixaria, por falecimento precoce, esposo e filhos, com uma família enriquecida de mais seis crianças…

Enquanto ficou na casa da madrinha Rita de Cássia, o rigor dessa senhora, a quem Chico sempre endereçou palavras de agradecimento e respeito, o fez lamber feridas de outra criança para curá-las.

No quintal da casa, sob as bananeiras, pôde reencontrar a mãezinha tão amada, Maria de João de Deus, que, em espírito, aparecia-lhe, aconselhando-o a respeitar a madrinha e a confiar em Deus, pois que, com o tempo, ele teria uma segunda mãe amorosa e amiga.

Não pôde frequentar a escola como desejava, cursando apenas os primeiros anos de letras, devido ao trabalho duro e implacável que atingia altas horas da noite, para ajudar no magro orçamento familiar.

Em 1927, aos 17 anos, ingressou no Ministério da Agricultura pelas mãos de um de seus benfeitores na Terra, o diretor do órgão federal Dr. Rômulo Joviano. Trabalhou na Fazenda Modelo, em Pedro Leopoldo, até sua aposentadoria, com singular exemplo de assiduidade, nunca tendo faltado ao trabalho.

A partir de 1931, já com a supervisão espiritual de seu Benfeitor, o espírito de Emmanuel, suas atividades mediúnicas, que se haviam iniciado de modo mais regular em 1927, ganharam notoriedade com o lançamento de Parnaso de Além Túmulo, obra poética assinada por vates respeitáveis do Brasil e de Portugal. Sucessão de poemas que bravamente resistiram à crítica literária, que, atônita, viu pelas mãos de um simples mineiro, até então desconhecido, descer ao nosso mundo uma catadupa de luzes, sob a inspiração de conhecidos poetas patrícios e de Além-Mar.

Surgiu uma sucessão de livros, romances, crônicas, mensagens, poesia, que, em nossos dias, passam dos 400 (!), e o número aumenta com trabalhos póstumos que estão surgindo, joias guardadas por amigos do saudoso Chico e que começam a vir a lume.

Todos os livros tiveram seus direitos autorais doados por Francisco Cândido Xavier a editoras espíritas que, além de divulgá-los, sem o objetivo de lucro, deveriam obrigatoriamente destinar recursos a tarefas de cunho filantrópico, a orfanatos, asilos, creches e atividades outras de solidariedade às populações carentes de nosso país. Foi como se o céu dos espíritas subitaneamente se povoasse de novas estrelas, que passaram a ser uma das características das atividades dessa religião: a preocupação com o semelhante, com suas dificuldades materiais e espirituais, com os padecimentos físicos e sofrimentos da alma.

Milhares de milhares de famílias que perderam entes queridos receberam por décadas mensagens dos familiares falecidos e puderam encontrar o norte perdido pela dor ingente que as lágrimas testemunhavam nas reuniões públicas de Pedro Leopoldo e Uberaba.

Quem observava Chico Xavier a ler essas mensagens, após recebê-las, notava que as lágrimas rolavam dos olhos cansados e lhe embargavam a voz, nos últimos tempos enfraquecida pela idade.

Muitas dessas mensagens fazem parte de livros que compõem o vasto acervo psicografado pelo médium de todos os brasileiros, cuja produção editada ultrapassa os vinte milhões de exemplares, dos quais Chico nunca recebeu qualquer centavo. Também as edições de seus livros em inglês, castelhano, francês, italiano, japonês, grego, etc, etc, se multiplicam.

A mudança em 1959 para Uberaba não alterou o rumo de sua vida de sacrifícios, não obstante a merecida aposentadoria como funcionário público federal, ligado ao Ministério da Agricultura.

Continuou a dedicar-se ao semelhante e à vivência integral do Evangelho, mergulhando, madrugada adentro, no exercício das tarefas que abraçara.

Dormia pouquíssimo, não sendo raro avançar a noite até a manhã seguinte. Isso ocorria nas reuniões públicas de Pedro Leopoldo e Uberaba, nas viagens pelo país, quando do recebimento dos títulos de cidadania e nas Tardes-Noites de Autógrafos, muitas das quais presenciei, vendo o Chico despedir-se de todos os que o procuravam, um a um, com uma rosa na mão e mostrando o seu sorriso amigo, já iluminado pelos raios de sol na manhã que se iniciava.

Em seus comparecimentos frequentes à televisão, sobretudo na década de 70, soube cativar os lares que o viam e ouviam atentamente com sua mensagem de paz e esperança.

Deixou-nos aos 92 anos, do mesmo modo que sempre viveu: sem dar trabalho a ninguém, sem demonstrar sofrimentos, ainda que convivesse com a saúde muito abalada.

Partiu para os Céus, para a sua Pátria Espiritual, sorrindo, como a nos dizer:

– Amados irmãos, eu vos amo muito.
Obrigado por tudo de bom que vocês me proporcionaram. Amemo-nos, uns aos outros, como o Senhor nos amou.

Chico viveu e morreu como um justo, deixando-nos os exemplos de uma alma amiga, despojada de valores outros que não a simplicidade e o respeito a Deus.

Sofreu com o sofrimento alheio, sem, contudo, ocultar-nos seu sorriso generoso, amigo, de quem sempre estava de bem com a vida.

Caio Ramacciotti