Sobre a obsessão

Certa noite, rodeado de confrades, que lhe levaram como tema os trabalhos de desobsessão, Chico, depois de aconselhá-los, falou de suas primeiras experiências neste campo:

— Quando iniciamos nossas sessões de desobsessão não tínhamos muita prática.

Apresentaram-nos, certo dia, em Pedro Leopoldo, três moças obsidiadas, que estavam hospedadas em casa de amigos, para serem tratadas em nosso grupo. Uma delas tinha o estranho hábito de mastigar vidros, o que deixava os abnegados anfitriões assustados e preocupados.

O médium observou a reação dos ouvintes e continuou:

— José, meu irmão, era o doutrinador. Iniciada a primeira série de sessões, as entidades começaram a se manifestar. Dentre elas havia antigos escravos, e um deles, o mais endurecido, manifestando-se através de um de nossos médiuns, fez pungente narrativa sobre os fatos ocorridos no tempo da escravatura, quando eles eram tratados impiedosamente pelas três jovens.

Como sinhás da fazenda, na existência passada, elas usavam a força e o poder através de cruéis capatazes. Uma delas, por motivo fútil, fez enterrar um escravo — o espírito que se manifestava — deixando apenas a cabeça fora da terra.

Em seguida mandou que a besuntassem com mel, a fim de atrair os insetos. Lá permaneceu ele, sozinho, em intermináveis sofrimentos, até encontrar a morte.

Nas horas finais, em desespero ele clamava:

— Sinhá! Se existe alma depois desta vida, eu vou me vingar…

Chico então justificou:

— Esta, entre outros dolorosos fatos do passado, era a causa da forte obsessão que acometera aquelas três moças.

E procurando encerrar a narrativa:

— As pacientes permaneceram em tratamento espiritual na nossa cidade alguns meses até que os espíritos fossem esclarecidos, e elas pudessem retornar aos seus lares curadas da obsessão.

O ambiente ficara silencioso e cismarento. O médium, olhando os circunstantes concluiu o relato:

— Findo o tratamento, José me procurou e disse:

— Chico, eu não vou mais ser doutrinador.

— Por quê? Perguntei-lhe admirado. Ele, então, falou:

— Eu tomei o partido dos obsessores…

Todos, inclusive o médium, riram-se do desfecho do caso, e José, segundo o narrador, a despeito do desabafo, acabou por retomar a tarefa de doutrinador de espíritos.

 

(Do livro Inesquecível Chico – Romeu Grisi/Gerson Sestini – Ed. GEEM)