Rolando Mário Ramacciotti
Rolando Mário Ramacciotti nasceu na cidade de Bauru-SP, em 17 de novembro de 1913.
Nos idos de 30, com pouco mais de vinte anos, residindo na capital paulista, sem convicção religiosa, descrente, teve singular vivência espiritual, que mudou o rumo de sua vida.
Na época trabalhava no Frigorífico Armour e, certa noite do ano de 1935, já deitado, mas sem conciliar o sono, com a luz do quarto apagada, viu um homem de luminosidade própria entrar pela porta fechada e, entendendo ser um intruso, de inopino pulou sobre ele, sem, contudo, conseguir agarrá-lo, qual se fora um fantasma…
Rolando, homem alto, forte, destemido, avesso a desaforos, foi-se acalmando ao observar a serenidade do visitante, que, a pouco e pouco, estabeleceu com ele inesquecível diálogo, aconselhando-o a deixar São Paulo e voltar à sua cidade natal, onde intuitivamente receberia novas orientações.
Fê-lo de imediato, não obstante surpreso e sem entender bem a razão daquele longo e profundo colóquio, que mudaria sua vida…
Em 1937 casa-se com Alda Pacheco Ramacciotti, e, no ano seguinte, já em Garça, cidade serrana da Alta Paulista, nasce o primeiro dos seus oito filhos. Lá permaneceu até o início da década de 60, quando se transferiu para São Paulo.
No limiar dos anos 40, converte-se ao Espiritismo, e já o vemos trabalhando incansavelmente na Doutrina, atuando, com outros companheiros, junto ao Centro Espírita Caminho de Damasco e ao Hospital dos Pobres, posteriormente Hospital Samaritano, beneméritas instituições que dirigiu de 1950 até sua volta à capital paulista.
Em 1950 fundou o Orfanato Nosso Lar, posteriormente Nosso Lar – Instituição Filantrópica de Amparo à Criança, entidade que em 1966 transferiu para São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), atraído pela sua pujança industrial.
Segundo ele, tal mudança possibilitaria — o que realmente aconteceu — o alargamento das opções de estudo das crianças do Nosso Lar e sua temporânea colocação no mercado de trabalho.
Visava também a buscar a autossuficiência da Instituição com a venda do conhecido Café Nosso Lar, produzido sob sua supervisão e que recebeu calorosa acolhida das empresas do município, servindo também como base para o aprendizado profissional das mais de cinquenta crianças abrigadas na entidade.
Também em São Bernardo do Campo, em 1967, fundou o GEEM — Grupo Espírita Emmanuel, Sociedade Civil Editora, com o propósito específico de divulgar a obra de Chico Xavier.
A ambas as instituições dedicou tempo integral, com o sacrifício absoluto do lazer e dos mais gratos momentos da convivência com os familiares — esposa, oito filhos, genros, noras e netos — pequena grande comunidade familiar, que amou e serviu com carinho e nobreza.
Ainda em Garça construiu casas para viúvas em terreno de sua propriedade, reunindo-as sob o nome de Lar Chico Xavier.
Renunciando a si mesmo, em dedicação total à causa de Jesus, amparou crianças órfãs, mães viúvas, famílias carentes, presidiários, enfermos, enfim, toda sorte de companheiros que nele encontraram o benfeitor amigo, em quatro décadas de identificação plena com a Doutrina Espírita.
No campo da divulgação, com o primeiro livro editado pelo GEEM, Mais Luz, lançado em 1970, deu nova roupagem ao livro espírita, modernizando-o com capas elaboradas por artistas e publicitários, com o uso de papel de impressão mais adequado e diagramação arejada, enriquecendo-lhe, enfim, o processo de editoração.
Parece-nos justo afirmar que Rolando Ramacciotti foi o divisor de águas na trajetória do livro espírita, tanto na sua editoração quanto nos mecanismos de comercialização.
Introduziu o novo livro espírita, em contraposição às até então justificáveis mas obsoletas apresentações. Basta que se comparem os lançamentos anteriores a 1970 e os livros que surgiram após a edição de Mais Luz.
Durante os últimos vinte anos de sua existência, imprimiu, quase sempre com recursos próprios, alguns milhões de mensagens psicografadas por Chico Xavier, veiculadas nos derradeiros treze anos de sua permanência conosco por meio da Revista Comunicação, adrede fundada.
Em 1972, incorporou ao GEEM a responsabilidade de divulgar o Espiritismo em Braille por meio do Grupo Casimiro Cunha, cujos objetivos o navegador encontrará detalhadamente neste site.
De Mais Luz a Sinais de Rumo, editou os primeiros 21 dos 89 livros de Francisco Cândido Xavier lançados pelo GEEM. Seu amor e dedicação à divulgação do Espiritismo foram sobejamente reconhecidos por todos quantos puderam sentir-lhe mais de perto a grandeza da alma generosa e boa.
Administrador austero, de larga visão, incansável empreendedor de raro descortino, sempre voltado ao futuro, deixou com nitidez a marca de sua personalidade robusta, tanto em seus afazeres empresariais como em sua rica atuação doutrinária, consentânea com os lavores e sacrifícios dos primeiros propagadores do Espiritismo em Terras Brasileiras, do último quartel do século XIX às primeiras décadas do século passado.
O envolvimento sempre crescente com o Nosso Lar e com o GEEM obrigou-o a reduzir muito suas atividades profissionais a partir dos 50 anos, trazendo-lhe sensíveis repercussões em sua expectativa financeira e escasseando-lhe acentuadamente os recursos, do mesmo modo que ocorrera a Batuíra no início do século passado e a seu coetâneo e amigo, José Gonçalves Pereira, fundador da conhecida Casa Transitória.
Deixou nosso convívio direto aos 66 anos na tarde de 13 de dezembro de 1979, em São Paulo-SP.
Pai generoso e esposo amigo, levou consigo, entre tantas conquistas, na certeza do dever cumprido, certamente a sua maior alegria: ser amigo incondicional de Chico Xavier.
Recebeu do Chico inúmeras visitas no GEEM e em sua residência, mantendo com o médium, na última vez em que se encontraram menos de dois dias antes de falecer, longo e comovente diálogo.
Enquanto viveu, visitou regularmente Chico Xavier a cada dois meses para participar das concorridas reuniões das sextas e dos sábados. Nunca voltou de Uberaba sem receber mensagem do espírito de Batuíra, psicografada pelo Chico.
Aliás, Batuíra foi seu constante orientador espiritual, acompanhando-o do Mundo Maior, reafirmando, em suas ponderações, sempre o mister da disciplina e do trabalho, virtudes que exornaram o caráter de Rolando ao longo de suas lides na Terra.
Guardo, no escrínio das minhas mais saudosas lembranças, muitas de suas idas a Uberaba. Saía sempre numa 5ª-feira ou nas primeiras horas do dia seguinte, para participar do intenso programa desenvolvido pelo Chico. No domingo retornava fatigado, mas espiritualmente renovado.
Pudera, já não dormia de emoção e expectativa às vésperas da viagem e, além disso, nas longas filas que se formavam para os contatos com Chico Xavier, era invariavelmente o primeiro, do mesmo modo que era o último à hora das despedidas, madrugada adentro do sábado e do domingo, ao término das reuniões.
Nunca se esquecia de agendar com o Chico a data da viagem seguinte, cuja articulação com os companheiros já se iniciava antes mesmo do retorno. Considerava privilegiados os amigos que convidava para as viagens e aceitava, com muita dificuldade, eventual recusa, por mais compreensível que fosse.
Enquanto permanecia com o Chico, postava-se sempre a seu lado, e “ai” de quem intentasse remover aquele gigante de estatura e físico incomuns da invejável posição…
Já no carro, retornando ao lar, após as visitas rotineiras ao Chico, antes do obrigatório cochilo que só se interrompia nas paradas ao longo da estrada, espremido no banco traseiro, sempre dizia: “ Esta foi a melhor viagem que fizemos. Aprendemos muito com o Chico…”
Quando adquiriu o primeiro mimeógrafo em cores, novidade na época, levou-o ao Chico. Na reunião em que entregou a ele aquele “tesouro”, dissertou sobre suas possibilidades de uso com o mesmo entusiasmo com que certamente descreveria as impressoras multicolores computadorizadas dos tempos atuais.
Foi, em verdade, o bandeirante desbravador de caminhos impérvios, que, em tudo o que fazia, colocava entusiasmo e perseverança.
Ao querido Chico, com quem certamente convive no Plano Espiritual, dedicou muito de sua vida, compreendendo-lhe a excepcional grandeza da obra e nele identificando o discípulo de Jesus, cuja luminosa passagem pela Terra todos tivemos a oportunidade de testemunhar.
A lacuna deixada por sua partida é irreparável, e a ausência de Rolando envolveu a todos os que com ele conviveram numa esteira de indizível saudade.
Caio Ramacciotti
São Bernardo do Campo, julho de 2003