O sobrinho do Chico

Um dos sobrinhos do Chico viveu com ele cerca de uma dezena de anos.

Era uma criança cega, surda, muda e não possuía células gustativas na boca e nas papilas da língua, razão pela qual era alimentada com a introdução de papas diretamente na garganta.

Nascera quando o médium contava vinte e seis anos. Pelas contingências da vida, Chico, a partir de algum tempo, passou a tê-lo qual seu próprio filho.

A cunhada, mãe do menino, não podia mais cuidar dele porque sua saúde mental estava comprometida, e suas irmãs, com numerosos filhos, uma com oito, as outras com a prole de dez e doze rebentos, não tinham tempo sequer para olhá-lo.

No entanto, a criança foi muito amada.

Chico dedicou-se a ela, substituindo, dentro de suas possibilidades, a mãe ausente, mantendo-a distante de olhares indiscretos, sempre coberta com um véu muito fino para protegê-la dos insetos.

Quando lá estivemos pela primeira vez, em 1948, na casa velha, em que se instalara o centro espírita, ao lado da sala, onde eram feitos atendimentos, sessões e transmissão de passes, ficava o quarto onde o Chico dormia com a criança.

Soubemos, posteriormente, que, no período em que ela permaneceu sob seus cuidados, o médium não aceitou convite algum para sair e passear aos sábados e domingos.

Essa constante intimidade fê-lo adquirir grande afeição pelo entezinho sofredor.

A comunicação entre ambos era feita por uma espécie de gemido que a criança dava respondendo-lhe as perguntas. Dessa forma eles dialogavam externando seus sentimentos.

Chico, ao referir-se a esses fatos, anos mais tarde, contou-nos que nunca levava os frequentadores do centro para vê-la porque poderiam dizer:

― Que médium é esse que não resolve problema algum?

― Algumas vezes, após longas horas de ausência ― prosseguiu ― pois só me afastava do menino para os compromissos sérios e de trabalho, eu o higienizava e quedava-me ao seu lado, para dar o amor que lhe faltava.

Mas, eis que, inopinadamente, surgia uma mãe em pranto, pedindo-me auxílio e consolo porque seu filho havia perdido o ano na escola! E eu tinha de deixar o menino para ir atendê-la…

Depois da significativa pausa, Chico continuou:

― Assim viveu meu sobrinho até 1949. Quando desencarnou, aos doze anos, os parentes se sentiram aliviados, mas eu sofri muito com a ausência física dele…

O médium calou-se por uns momentos, e deu sequência ao relato:

― Depois de um tempo, que me pareceu muito longo, eis que ele me aparece em espírito: era então um moço muito bonito, aparentando vinte e dois anos.

Da comunicação que se estabeleceu entre nós, em meio às alegrias do seu retorno, após os saudosos anos de ausência, o belo rapaz informou-me que teria de permanecer mais cinquenta anos no Além, com reencarnação programada para o início do Terceiro Milênio.

― Quem fora ele, em vida passada, para sofrer tão severa punição? Pensávamos, intima-mente, ao ouvirmos tão comovente história.

O próprio médium informou-nos, em seguida, que ele era a reencarnação de Antoine Quentin Fouquier Tinville, revolucionário e juiz na França durante o conturbado final do século XVIII.

Chico, dirigindo-se a nós, em tom mais baixo, acrescentou ainda:

― Em pleno Tribunal Revolucionário, no período de Terror, quando não havia víti-mas para serem levadas à guilhotina, ele enviava algum desconhecido, ou um dos seus inimigos, para que a “máquina” não parasse…

Soubemos, posteriormente, que o nome do infeliz menino ― mas que foi profundamente amado pelo generoso médium ― era Emmanuel Luiz.

 

(Do livro Inesquecível Chico – Romeu Grisi/Gerson Sestini – Ed. GEEM)